Discurso de americano pareceu ter sido feito sob medida para líderes de países em desenvolvimento
O discurso do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, nesta terça-feira (19), pareceu ter sido escrito sob medida para chefes de Estado do mundo em desenvolvimento .
A começar por sua defesa da reforma de organismos multilaterais —que, coincidentemente, já tinha sido feita pelos dois líderes que o antecederam na tribuna, o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Biden afirmou que seu país tem se consultado com países-membros da ONU para ampliar o número de assentos do Conselho de Segurança, o órgão mais poderoso da instituição. Hoje, só cinco nações são integrantes permanentes do colegiado, gozando, portanto, de poder de veto. São eles China, França, Reino Unido, Rússia e, é claro, os próprios EUA.
'Precisamos romper o impasse que frequentemente impede o progresso e o consenso no conselho. Precisamos de mais vozes, mais perspectivas na mesa', disse o presidente americano. 'Apoiamos a ideia de que outras nações se proponham a liderar de formas inovadoras e busquem novas soluções para problemas difíceis.'
Não foi o único momento do discurso em que ele buscou se aproximar dos países emergentes. Biden afirmou que seu país trabalha para tornar 'instituições globais mais responsivas, eficientes e inclusivas', dando como exemplo tentativas de aumentar o financiamento para Estados de baixa e média renda no Banco Mundial e ampliar a representatividade no FMI (Fundo Monetário Internacional), além de defender uma reforma da OMC (Organização Mundial do Comércio).
O líder também endossou em diversos instantes a importância de uma união global para lidar com problemas urgentes, dando como principal exemplo a crise do clima, uma das grandes bandeiras de seu governo. 'Sabemos que nosso futuro está ligado ao de vocês. Nenhuma nação é capaz de enfrentar os desafios contemporâneos sozinha', disse à plateia.
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As declarações de Biden se dão em um momento em que a China, que compete com os americanos pelo posto de maior potência mundial, goza de muito mais proximidade com nações em desenvolvimento do que os EUA, com amplos investimentos na América Latina e na África.
Também soam como uma espécie de resposta à insatisfação que as nações emergentes têm demonstrado com o protagonismo que a Guerra da Ucrânia ganhou na pauta internacional. Muitos líderes consideram que o Ocidente pratica uma espécie de revolta seletiva ao não se indignar com conflitos simplesmente por que eles estão distantes do continente europeu. Segundo eles, os enfrentamentos entre Ucrânia e Rússia não deveriam sequestrar os recursos necessários para lidar com o que mais importa para as nações pobres, o financiamento do desenvolvimento e o combate à crise do clima.
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A despeito da mudança de foco, Biden não deixou a Guerra de Ucrânia completamente de lado. Sua abordagem do tema foi, porém, uma espécie de versão abreviada daquela que ele fez na Assembleia-Geral do ano passado, quando também afirmou que a única coisa que impede o fim do conflito é a própria Rússia.
'Ninguém quer mais que essa guerra termine que a Ucrânia. [Mas] só a Rússia tem o poder de encerrar essa guerra imediatamente. Só ela impede a paz, porque seu preço para a paz é a capitulação da Ucrânia, de seu território e de suas crianças', afirmou o americano.
Naquele instante, o rosto do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, era enquadrado pelas câmeras. Kiev já afirmou que as únicas possibilidades de paz que encara como factíveis envolvem a retirada total das forças russas de seu território. O problema é que isso incluiria a península da Crimeia, anexada por Vladimir Putin em 2014 —oito anos antes da Guerra da Ucrânia, portanto— sem que o Ocidente fizesse mais do que promover sanções e publicar declarações em protesto.
Washington é o maior aliado internacional de Kiev na Guerra da Ucrânia, e desde o início do conflito, já prometeu cerca de R$ 337 bilhões em assistência à nação invadida segundo o Instituto da Economia Mundial de Kiel, na Alemanha. Quase dois terços disso, ou R$ 205 bilhões, foram somente em ajuda militar.
Mas o apoio ao esforço de guerra tem caído à medida que o conflito se estende sem que a Ucrânia apresente vitórias concretas. Pelo contrário: a aguardada contraofensiva de seu Exército, iniciada em junho, não produziu maiores resultados até agora.